julho 25, 2009

Recado pra Oscar Niemeyer

Por Fernando Lara.


"O telefone tocou no meio da noite e ele atendeu rapidamente, saltando da cama como se um século não pesasse nos ombros nem nas pernas. Do outro lado da linha uma voz conhecida mas que ele não ouvia a mais de 15 anos.
- Oscar?
- Sim, sou eu, quem fala?
- É o Roberto, Roberto Burle Marx. Quanto tempo hein Oscar? Nunca pensei que ia demorar tanto pra você vir pra cá. Olha, desculpa o mau jeito de te ligar assim no meio da noite. É que essas conversas só funcionam quando vocês vivos estão meio dormindo meio acordados.

Olha Oscar, nós andamos conversando muito sobre você nos últimos anos. Impressionante como os anos passam depressa aqui, acho que diante da eternidade tudo fica minúsculo..... mas sobre isso a gente conversa depois quando você chegar.
O Lucio foi contra, acha que você não vai ouvir, mas o resto do pessoal me pediu pra te dar o recado. É o seguinte, nós estamos todos preocupados com o que você anda fazendo atualmente. Cada prédio mal detalhado, mal construído. Para Oscar. Para e vai curtir as homenagens que você merece. Vai desenhar suas mulheres curvilíneas e para de desenhar esses prédios com curvas sem sentido.

Se for por dinheiro arruma um jeito de vender seus desenhos. O Corbusier fez isso quando viu que seus projetos já não tinham a mesma força. Eu também passei a pintar mais e projetar menos quando percebi que os jardins já não saiam com a mesma vivacidade. E com esses prédios sem graça você está arruinando a sua biografia Oscar.

Aquele moço do New York Times escreve muita bobagem mas acertou na mosca em 2007 quando disse que você estava vivendo o suficiente para estragar sua própria obra. O Charles Moore ficou muito meu amigo (não sei como não o conheci antes, um amor o Charles) e sempre fala do arrependimento de fazer aquela Piazza di Italia em New Orleans. Uma pracinha a menos e a obra do Charles ficaria muito mais íntegra. Você já acumula uma dezena de “piazzas” Oscar e ainda quer fazer uma grande bem no meio do eixo monumental! Já não basta enfiar um auditório no meio da Casa do Baile, aquela biblioteca sem livros em Brasília ou esse Centro Administrativo no caminho de Confins. Aliás, passa em Confins pra você lembrar a beleza do detalhamento do Milton. Se você ainda tivesse gente como o Milton ou o Lelé pra detalhar seus esboços....

Você não precisa disso Oscar, já é de longe o mais importante arquiteto das Américas no século XX (o Frank tá aqui resmungando mas pra começar ele nasceu no século XIX). Desenhe Oscar. Escreva Oscar. Esse negócio de arquitetura dá trabalho demais e quando feito as pressas fica muito ruim. Olha, tá todo mundo mandando um abraço e dizendo pra você demorar bastante. Na verdade a gente morre de inveja da sua longevidade (e alguns do seu talento).

Algum tempo depois ele acordou e foi se vestir. Ia receber muita gente no escritório para mostrar mais um projeto (desenhado ontem) para mais um político enraizado nas idéias e nas formas do século passado."

7 comentários:

Jordi C disse...

Legal....
Na realidade Roberto, não seria tão cuidadoso na escolha das palavras, mas o recado seria o mesmo.
10 !

Anônimo disse...

Que texto maravilhoso. Mas certamente o olhar de quem é mais jovem estará mais centrado no resultado do projeto (o valor da obra em si mesma) do que no proprio projeto: as motivações de quem está projetando...o "durante" da formulação do projeto, as suas circunstâncias. Afinal, quando se deve parar? Se deve parar? O processo de criação deve ser interrompido? Quem pode dar valor para o conjunto da obra? Quando determinadas obras -as mais impactantes - foram projetadas em que momento estava seu criador (suas circunstancias): estava no início, no meio, no seu ocaso? E quem definiu seu ocaso? Tema interessante e em aberto.

Abraços!

MiguelCañas disse...

Eu diria que a pessoa não deve parar nunca ("Jacaré parado vira bolsa de madame"), desde que sua obra tenha um sentido, para si e para as pessoas. Desde que sua obra seja uma evolução constante e tenha um propósito. Que acrescente com algo novo e ainda faça diferença, o que - para mim - não é o caso do Oscar.

Estão aí diversos músicos, artistas e intelectuais incansáveis criativamente...

Mas enfim, difícil tema. Só perguntando pro velho: Qual é a motivação que o senhor ainda tem para se levantar todos os dias e ir trabalhar, depois de mais de cem anos de vida?

Sergio Martins disse...

Como podemos julgar suas circunstâncias, suas motivações? Seguramente o processo criativo (a forma) faça muito sentido para ele. É um pouco como a "arte": o maior sentido é para quem está criando (especialmente no momento da criação); depois disso está livre e a disposição dos demais que reagirão das mais diversas maneiras frente ao seu poder de reflexão, de estímulo, etc.

Este é um problema que se coloca para a arquitetura na medida que é feita de ciência e técnica, mas com uma grande dose de arte.

Por isso entendo que trabalhar somente com a preocupação da forma, como Niemeyer, tem lá seus perigos e suas debilidades, pois o resultado estará inevitavelmente vinculado à função, influenciado diretamente no cotidiano das pessoas (a função social da arquitetura, aliás, como de qualquer ciência).

Um beijo.

Laércio disse...

Acredito no prazer com que se faz o trabalho. A hora de parar é a hora em que se perde o prazer. Niemeyer nos dá um prova de vitalidade. É uma busca pelo prazer.

Toino das Artes disse...

Ola a todos, sou trabalhador da construcao sivil e queria dizer que os drs arquitetos nao sabem sequer fazer cimento ou levantar uma parede, e estao aqui em conversas sobre este nimaer que tenho ouvido sera bom arquiteto e amigos dos trabalhadores, ate era comunista e nao roubava os trabalhadores. queria ver alguem daqui a fazer cimento a ver se suxava as maos, mas so falam disto e daquilo.
obrigado por ouvirem.

Jaqueline Silva disse...

Como uma defensora de Oscar Niemeyer não consigo separar o seu lado humano, que é o que mais admiro, de suas responsabilidades como arquiteto e os impactos de suas obras em nosso cotidiano. Não me acho do direito de julgá-lo e também de ir contra a oponião de todos.
Só tenho que deixar claro que, ao meu ver, se ele ainda levanta da cama e vai trabalhar...seja pelo fato de ainda não ter surgido um novo ícone que o substitua.
Como ignorar a sua vontade de continuar projetando?